Psicoterapia com Psilocibina e MDMA no tratamento da depressão

Psicoterapia com Psilocibina e MDMA no tratamento da depressão

É uma "graça gratuita", que não é necessária nem suficiente para a salvação, mas que, se usada adequadamente, pode ser de grande ajuda para aqueles que a receberam. (Aldous Huxley)

Dado que, segundo as projeções da Organização Mundial de Saúde, a saúde mental será uma das áreas mais críticas deste século, é urgente desenvolver novos tratamentos psiquiátricos. Avanços recentes com psilocibina no tratamento de depressão grave e 3,4-metilenodioximetanfetamina (MDMA) no tratamento de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) levaram à concessão de "status de terapia inovadora" pela Food and Drug Administration dos EUA. 1 Nesta edição, relatamos os resultados bem-sucedidos da psicoterapia assistida por MDMA para pacientes brasileiros com TEPT grave (resumidos na Figura 1 ). 2Essa abordagem merece atenção dos profissionais de saúde mental em todo o país, uma vez que a prevalência desse transtorno, que já é alta, provavelmente aumentará à medida que as infecções e mortes por COVID-19 aumentarem no Brasil. 3

A história da psiquiatria com essas drogas começou por volta de 1953, quando o psiquiatra Humphry Osmond entregou um copo de água contendo 400 mg de mescalina a Aldous Huxley, temendo que ele pudesse enlouquecer o famoso escritor. Em 1956, sua contínua troca intelectual levou Osmond a elaborar o neologismo 'psicodélico' (do grego para "mente manifestando-se"), argumentando que: "O nome deve ter um significado claro, ser razoavelmente fácil de soletrar e pronunciar e não ser muito parecido com algum outro nome. [...] Psicodélico parece inequívoco, não carregado de associações antigas e claro." Naquela época, os dois homens também haviam experimentado o LSD, que foi inventado em 1938 por Albert Hofmann, que descobriu sua psicoatividade em 1943. 4 , 5Essas ocorrências são anteriores à descoberta da serotonina no cérebro de mamíferos, bem como ao uso de clorpromazina, iproniazida e lítio, comumente considerados os primeiros medicamentos psiquiátricos modernos. No entanto, o LSD foi testado para diferentes condições, principalmente o alcoolismo, na década de 1950 e teve um papel importante na ampla aceitação da neurotransmissão química devido aos seus notáveis ​​efeitos duradouros em pequenas quantidades (dezenas a centenas de microgramas). 4 , 5

Na década de 1980, o LSD foi utilizado em estudos que estabeleceram a existência de diferentes receptores de serotonina, 5HT-1 e 5HT-2, demonstrando que a psicoatividade dessas drogas não se devia a efeitos tóxicos no cérebro, como especulado anteriormente, mas sim a ativação precisa de proteínas que ocorrem naturalmente nas membranas neuronais. 1 , 5 , 6Quatro décadas depois, a tecnologia de neuroimagem não invasiva e minimamente invasiva, como M/EEG, fMRI e PET, permitiu que a atividade cerebral humana fosse decodificada durante a ação aguda de psicodélicos. Os resultados mostraram, por exemplo, que a psilocibina se liga aos receptores 5HT-2A, que são mais densamente expressos nos dendritos apicais dos neurônios piramidais na camada V do neocórtex humano, e aumenta suas taxas de disparo. Essa reação se espalha pelo córtex, induzindo dessincronização temporária dos ritmos cerebrais, cujos efeitos subjetivos se correlacionam estatisticamente com a ocupação do receptor e as mudanças espectrais em redes específicas. 1 , 5 , 6

Essa compreensão neurofisiológica refinada de seus mecanismos farmacológicos agudos de ação, do nível celular ao sistêmico, é notável porque, ao contrário da maioria das drogas psiquiátricas, os psicodélicos não são destinados ao uso crônico. Em vez disso, a psilocibina e o MDMA, que aumentam os níveis de serotonina, noradrenalina e dopamina, demonstraram possuir um potencial terapêutico de ação rápida excepcional quando administrados em muito poucas ocasiões em associação com psicoterapia. 1 , 5 , 6Ambas as drogas estão atualmente sendo testadas para problemas de dependência, e estudos publicados mostram resultados promissores para ansiedade de fim de vida em pacientes com câncer, intervenções para parar de fumar, ansiedade social em adultos autistas e, mais importante, depressão e TEPT. 1 , 5 , 6 A neuroimagem aguda da ação dessas drogas, que são empregadas clinicamente em apenas uma a três sessões por paciente, tem enorme valor translacional para a prática clínica psiquiátrica futura, uma vez que a psicoterapia assistida por psicodélicos é conceitualmente diferente da droga isolada atual tratamentos. 1A administração não diária pode reduzir os efeitos adversos, incluindo sintomas de abstinência, que aumentam com o uso diário prolongado de drogas psiquiátricas. A administração de psicodélicos sob supervisão médica e/ou psicológica também limita ou elimina completamente o risco de desvio e abuso de drogas, sem mencionar o risco de dependência, que é muito baixo para substâncias psicodélicas, especialmente quando administradas em poucas ocasiões sob supervisão médica. 1 , 5 , 6

Durante nosso estudo MDMA em 2018, a autoridade brasileira responsável por todas as atividades envolvendo substâncias controladas, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), também nos concedeu autorização (AEP 012/2018) para usar psilocibina em um estudo para tratar a depressão grave, que é também muito prevalente no país. No entanto, o protocolo de pesquisa foi rejeitado duas vezes por um comitê de ética, que afirmou incorretamente que essas substâncias não poderiam ser usadas em pesquisas científicas. Como a ANVISA tem regras claras sobre essa pesquisa ( Portaria 344), 7foi ajuizada ação administrativa e obtida a aprovação ética, porém com atraso superior a um ano. A ANVISA também reconheceu a importância de facilitar a pesquisa com substâncias controladas, propondo novas normas em dezembro de 2018 ( Consulta Pública 587) 8 e aprovando uma resolução em abril de 2020 ( Resolução da Diretoria Colegiada 367) 9 para manter essa pesquisa desimpedida. Tais medidas podem facilitar a aprovação de tratamentos envolvendo psicodélicos no Brasil. A segurança e a eficácia do MDMA estão sendo testadas em um estudo internacional de Fase 3, randomizado, multicêntrico e duplo-cego em andamento. 5

Como a depressão e o TEPT devem aumentar e causar sérios problemas econômicos e de saúde mental, esses avanços podem ser uma inovação bem-vinda para a psiquiatria brasileira. Portanto, é hora de os profissionais de saúde mental considerarem seriamente se os psicodélicos, embora ainda não sejam suficientes, podem se tornar necessários.

Divulgação

O autor não relata conflitos de interesse.

 

REFERÊNCIAS

Reiff CM, Richman EE, Nemeroff CB, Carpenter LL, Widge AS, Rodrigues CI, et al. Psicodélicos e psicoterapia assistida por psicodélicos. Am J Psiquiatria. 2020;177:391-410.
Jardim A, Jardim D, Chaves BR, Steglich M, Ot'alora GM, Mithoefer MC, et al. Psicoterapia assistida por 3,4-metilenodioximetanfetamina (MDMA) para vítimas de abuso sexual com transtorno de estresse pós-traumático grave: um estudo piloto aberto no Brasil. Braz J Psiquiatria. Próximo 2020.
Ornell F, Schuch JB, Sordi AO, Kessler FH. "Medo pandêmico" e COVID-19: carga de saúde mental e estratégias. Braz J Psiquiatria. 2020;42:232-5.
Bisbee CC, Bisbee P, Dyck E, Farrel P, Sexton J, Spisak JW. Profetas psicodélicos. As cartas de Aldous Huxley e Humphry Osmond. Londres: McGill-Queen's Press.
Nichols DE. Psicodélicos. Pharmacol Rev. 2016;68:264-355.
Nutt D, Erritzoe D, Carhart-Harris R. Admirável mundo novo da psiquiatria psicodélica. Célula. 2020;181:24-8.
Brasil, Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. Portaria n° 344, de 12 de maio de 1998 [Internet]. [cited 2020 May 24]. https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/svs/1998/prt0344_12_05_1998_rep.html
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Consulta Pública n° 587, de 24 de dezembro de 2018 [Internet]. [cited 2020 May 24]. http://portal.anvisa.gov.br/documents/10181/5210712/%281%29CONSULTA+P%C3%9ABLICA+N%C2%BA+587+COCIC.pdf/e0d14713-8673-41e0-bfc4-b4ab82665ec1
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Resolução de Diretoria Colegiada - RDC n° 367, de 6 de abril de 2020 [Internet]. [cited 2020 May 24]. http://portal.anvisa.gov.br/documents/10181/5210712/RDC_367_2020_.pdf/5dfd0fa7-cf99-4bd4-837c-d3baf098a191
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